segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Cabalá

A Néfesh, a Ruach e a Neshamá
Por Gamli'el Ben Avraham
Baseado no artigo do Rab Jaim Zukerwar, autor é Diretor de Halel: e autor dos livros "La Esencia el Infinito y el Alma" e "La Percepción Judía de la Realidad". Na Wikipédia, e na Revista Morashá.

O homem é uma combinação de dois elementos diversos: corpo e alma. A alma é a verdadeira razão de nossa existência. Ainda que oculta a todos, é o que nos faz existir, é nosso "eu" verdadeiro.
Transcendente por natureza, é a parte divina de nosso ser, é o Sopro Divino que HaShem imbuiu em Adão, ao criá-lo. Bereshit/Gênesis 2:7 “... e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.”
É esta centelha Divina que se constitui na essência de nossa vida interior. Apesar de ser o homem composto de matéria e espírito, seu corpo é somente o invólucro material dessa faísca Divina.
Além disso, é a alma que reflete diretamente nossa relação com HaShem, pois, como está escrito, "a chama de HaShem é a alma do homem" (Provérbios, 20:27).
Podemos comparar a alma à chama de uma vela. Quando acesa, sobe, percorre o ar, mas o pavio a puxa de volta à terra. Da mesma forma, enquanto a alma está em constante movimento ascendente, em direção a HaShem, o corpo, com suas exigências físicas, a retém neste plano físico. Uma pessoa íntegra e saudável é aquela em quem alma e corpo convivem unidos, em perfeita sintonia; é aquela que consegue atingir uma harmonia entre o seu lado material e o espiritual, alguém que consegue levar uma vida espiritualmente significativa e, ao mesmo tempo, produtiva.

Tipos de alma

O homem tem dois tipos de alma: a "alma animal" (Nefesh HaBehamit), faísca de HaShem contida no sangue, a dizer, nos processos da vida químico-fisiológica, é responsável pelos sentimentos e pela inteligência natural do ser humano. Está escrito na Torá: "A força vital da carne está no sangue" (Vaikrá/Levítico 17:11). Como esta "alma animal", para atender suas necessidades materiais, afasta o homem do plano espiritual, é chamada no Talmud, de "má inclinação" (Yetzer HaRá).
Este tipo de alma não existe somente no homem, mas em todas as criaturas vivas. Transmitida através do material genético no momento da concepção, expande-se constantemente à medida que a criatura amadurece. Consequentemente, a inteligência das diversas espécies animais varia muito de uma espécie a outra. O intelecto do ser humano é muito diferente do intelecto dos animais, e sua "alma animal" é responsável por atributos e faculdades distintos como: imaginação, memória, inteligência e vontade.
Além desse "eu" material, o homem possui também uma alma que é única entre todas as criações Divinas. Ao descrever a criação de Adão, diz a Torá: "HaShem formou o homem da poeira da terra, e depois soprou em suas narinas a alma da vida – Nishmat Chaim". O homem, então, tornou-se uma criatura viva – Nefesh Chayá (Bereshit/Gênesis 2:7). A Torá está-nos indicando que a alma humana veio diretamente da Essência mais íntima de HaShem. Bereshit/Gênesis 1:26 “E disse Hashem: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...”
O restante da Criação, por sua vez, foi criado por HaShem através da Palavra Divina, que é de um nível inferior, pois assim como as ondas sonoras são geradas por uma pessoa mas não constituem a própria pessoa, da mesma forma o restante da Criação emana do Poder de HaShem, mas não de Sua Essência.
Este segundo tipo, a "alma divina", é uma entidade espiritual muito diferente e mais elevada que a alma "animal". É a "divina" que dirige a "animal" - nosso lado material - e é através dela que a alma, como um todo, cumpre suas funções e sua missão na terra. Em cada momento da vida do homem neste mundo físico, interagem o lado espiritual e material, um influenciando o outro. O contato e a atração mútua entre o corpo e a alma criam uma contingência, uma situação única, gerando a pessoa humana, que não é nem só corpo nem só alma, mas uma fusão dos dois.
A "alma divina" é frequentemente denominada "entidade singular" por ser única em sua missão. Pois, apesar de todos os laços que unem cada alma individual à sua Fonte Superior, cada uma dessas é única e especial em sua essência, em sua capacidade e naquilo que delas se exige. Não há duas almas que coincidam quanto aos atos, funções e caminhos que percorrem.
Quando a Torá relata a Criação do homem, no livro de Bereshit/Gênesis, nos diz: ... fez o homem, formou ao homem e o criou.
(Bereshit/Gênesis 1:26) “E disse HaShem: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...”
(Bereshit/Gênesis 2:7) “E formou o Eterno HaShem o homem do pó da terra...”
(Bereshit/Gênesis 1:27) “E criou HaShem o homem à sua imagem; à imagem de HaShem o criou; homem e mulher os criou.”
Igualmente no livro do Profeta Ieshaiáhu/Isaías 43:7, encontramos o seguinte versículo: “A todos os que são chamados pelo meu nome e os que criei para a minha glória, os formei, e também os fiz.”
Por quê a Torá emprega três verbos quando se refere a Criação do homem?
ez, se refere ao mundo da Ação e ao nível da alma que se chama Néfesh e está relacionado com os instintos.
Formou, nos indica o mundo da Formação e se refere ao nível da alma que se designa com a palavra Ruach e que abrange o aspecto emocional.
Criou, designa o mundo da Criação e esta conectado com o nível da alma denominado Neshamá, o pensamento.
Fez (Néfesh) → Formou (Ruach) → Criou (Neshamá)
Estes três níveis são três aspectos básicos gerais entre cinco que abrangem a totalidade da alma.

Os cinco níveis da alma

A alma não é algo concreto; está além daquilo que o intelecto consegue compreender por si próprio. A Cabalá explica que o que comumente chamamos da "alma" de um homem consiste, de fato, de várias "almas". Não é um ponto único no espaço e deve ser entendida não como uma única "existência" que tem uma qualidade ou caráter, mas como muitas "existências", de vários níveis espirituais. Podemos dizer que, na realidade, em cada homem há um determinado número de níveis de almas, unidas como os elos de uma corrente que se estende do corpo da pessoa até a Fonte de todas as almas. A ligação entre corpo e alma pode ser comparada com o que acontece na extremidade de um raio de luz, ao iluminar um corpo escuro.
O "eu" que surge da relação entre o corpo e a alma não é algo constante de uma essência especifica, é diferente em cada estágio da vida de um homem.
Por exemplo, no início de nossa existência, o "eu" concentra-se quase que totalmente no corpo e em suas necessidades. Com o amadurecimento, a pessoa se torna cada vez mais consciente da essência mais elevada de sua alma.
Segundo a Cabalá, o que chamamos de alma humana é composto por cinco partes:

  1. Néfesh -"alma animal", é a alma humana em seu nível mais primário. Anima a existência dando-lhe força de vida, de movimento e propagação das espécies, também capacitando o homem a pensar, divagar e sonhar. A palavra deriva da raiz Nafash, que significa repouso, como no verso, "No sétimo dia, (HaShem) cessou o trabalho e descansou (Nafash)" (Shemot/Êxodo, 31:17). Está associada aos instintos e desejos corporais.


  2. Ruach - que significa vento, é o Espírito, a "alma divina". Ela contém as virtudes morais e a habilidade de distinguir o bem e o mal. Em Yochanan/João 15:26, “Quando o Conselheiro vier, a quem eu lhes enviarei da parte do Pai – a Ruach da emet que provém do Pai e volta para ele –, a Ruach testemunhará a meu favor.” no capítulo 14:16, Yeshua HaMashiach diz: “e eu pedirei ao Pai, e Ele lhes dará outro conselheiro consolador, semelhante a mim, a Ruach da verdade, para estar com vocês para sempre.” e no verso 26, diz “Mas o Conselheiro, a Ruach Hakodesh, a quem o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará tudo, isto é, lhes fará lembrar tudo o que eu lhes disse.”


  3. Neshamá, literalmente "sopro", é a Respiração, a "alma superior", mais pura ainda. Essa separa o homem de todas as outras formas de vida. Está relacionada ao intelecto, e permite ao homem aproveitar e se beneficiar da pós-vida. Essa parte da alma é fornecida tanto para judeus quanto para não-judeus no nascimento. Ela permite ao indivíduo ter alguma consciência da existência e presença de HaShem. A Raaya Meheimna, uma adição posterior ao Zohar por um autor desconhecido, sugere que haja mais duas partes da alma, a chayyah e a yehidah. Gershom Scholem escreve que essas "eram consideradas como representantes dos níveis mais elevados de percepção intuitiva, e esta ao alcance somente de alguns poucos escolhidos".


  4. Chayá, a Essência vivente. A parte da alma que permite ao homem a percepção da divina força.


  5. Yechidá, a Essência única, pode ser considerada o ponto de contato entre a alma e a própria essência de HaShem. Esta alma só se manifestar ao término do Yom Kipur, durante a Neilá.

Essas almas mais elevadas referem-se à verdadeira essência humana e sua associação com HaShem, Raiz Suprema, e com os mundos espirituais. Este conceito inclui também a alma adicional, que chega no início do Shabat e se vai, ao seu término.
Nossos sábios ensinam que o ato de HaShem, ao insuflar a alma em um corpo, pode ser comparado ao do artesão que sopra o vidro para dar forma a um recipiente. A alma, Neshamá, deixa os lábios do Eterno, viaja como o vento, Ruach, até finalmente descansar, Nefesh.
Dos três níveis, a Neshamá é o mais elevado e, portanto, mais próximo a HaShem. Enquanto Nefesh é aquele aspecto da alma que reside no corpo, Ruach fica entre os dois, vinculando o homem à sua Fonte Espiritual. É por essa razão que a Inspiração Divina é chamada Ruach Hakodesh, em hebraico. A Neshamá é movida apenas pelo pensamento; Ruach pela fala e Nefesh pela ação.

A imortalidade da alma

Um dos fundamentos do judaísmo é a crença na imortalidade da alma, na vida após a morte. Se acreditamos na Justiça Divina, consequentemente acreditamos também na imortalidade da alma. De que outra forma poder-se-ia conciliar o fato de tantas pessoas justas sofrerem nesta vida?
Da mesma forma que, antes de seu nascimento, uma criança já possui muitas qualidades que não lhe são úteis no ventre materno, mas indicam que nascerá em um mundo onde virão a ser utilizadas, o ser humano possui muitas qualidades que lhe são de pouca valia durante esta vida. Isto indica que após sua morte física, o homem renascerá em uma dimensão superior.
Detalhes da imortalidade não são mencionados na Torá, já que a Revelação trata apenas do mundo atual. No entanto, quando o profeta Isaías fala sobre o Mundo Vindouro, diz: "Porque em tempo algum se ouviu, jamais os ouvidos se aperceberam nem os olhos viram outro HaShem além de Ti, que realizas em favor daqueles que em Ti acreditam" (Ieshaiáhu/Isaías 64:3). Isto significa que nem mesmo aos maiores profetas foi dada permissão de antever a recompensa dos justos.
Para entender cada um destes aspectos existe um exemplo tradicional, o qual nos relata que o homem é como uma carruajem que se usava antigamente como meio de transporte.
No exemplo, a carruajem simboliza o corpo do homem que por si só não pode realizar nenhum movimento. Os cavalos que se acoplam a carruajem são os instintos, a Néfesh, que movem a carruagem fisicamente nas diferentes direções. O cocheiro simboliza a emoção, a Ruach, que indica: parar, para a direita ou para a esquerda, mais rápido, mais lento, etc. Mas, quando a carruajem se encontra ante a possibilidade de tomar diferentes caminhos, quem decide? A carruajem por si só não pode mover-se; os cavalos esperam a ordem do cocheiro; e o cocheiro, a quem obedece? Ao passageiro, a quem não vemos mas é o que faz com que tudo se mova e gire em torno da sua vontade, já que ele foi quem “contratou” a carruajem com os cavalos e o cocheiro para conduzi-lo até seu "destino".
A Neshamá, essência interior da alma, está representada pelo passageiro, e se reveste no corpo através dos instintos, emoções e pensamentos para chegar a seu objetivo: a tomada de consciência de sua natureza e sua função no mundo, para logo fusionar conscientemente com a Luz Infinita.
Este objetivo pode ser conseguido através de dois caminhos:




  1. Com consciência, quando os três aspectos da alma (pensamento, emoção e ação) estão em harmonia com as leis que regem a Criação, ou


  2. Com sofrimento, quando os cavalos, o cocheiro e o passageiro estão em desacordo. Do que se deduz que se o homem pensa de uma forma e sente de outra, seus atos o conduzirão inevitavelmente ao sofrimento.

Assim como existem leis que regem os fenômenos físicos, como é a lei da gravidade, etc., também existem leis que regem os planos instintivos, emocionais, mentais e espirituais. A verdadeira liberdade surge quando o homem age em concordância com essas leis e não simplesmente de acordo com seu sentir momentâneo, instintivo e/ou emocional.
Por isso o judaísmo, através da Torá e das mitsvót (mandamentos), é um estudo e um treinamento constante em adaptar as características humanas as leis superiores que regem todos os planos da Criação. A Torá nos transmite as leis objetivas que regem a vida e a Criação, e as mitsvót nos proporcionam os elementos práticos, que quando são bem aplicados, nos ajudam a dirigir nossos desejos até o bem de nossos semelhantes e o nosso próprio, transformando-nos dessa maneira em "sócios ativos do programa da Criação".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.